Lago do Titicaca, 1 de junho de 2008
Já não me lembrava como é bom estar sã. A sensação de eternidade, de eterna permanência na dor que não cessa quando se está enfermo é das piores que o ser humano pode experimentar.
Finalmente bem!
No Titicaca, dentro da balsa, atravesso suas águas ditas sagradas, adorando a história que acabo de ouvir. A história é de que lá nasceram o Sol e a Lua, pra quem quiser acreditar. Para os campesinos daqui é verdade absoluta.
Essa balsa me traz lembranças de idas e vindas para Niterói, o mesmo embalo que a Baía de Guanabara propõe aos que por lá navegam.
Estou feliz de rever os niños bolivianos! Vou sentir falta deles.
Estou acordada, olhos atentos. No andar de cima só o céu. Clara tem medo de barco como eu tenho de avião. Ela dormiu. E agora não está mais com medo. Que bom remédio o sono.
Isla del Sol, 2 de junho de 2008
Que bom chegar até aqui. Este foi sem dúvida um dos lugares mais lindos por onde passei ao longo dos meus 27 anos. Vinte e sete anos não são nada. As ruínas que encontrei aqui têm mais de 9.000 anos. E estão lá, lindas e enigmáticas. Se eu chegasse aos 9.000 anos queria que fosse assim. Hoje visitei a pedra onde foram gerados o Sol e a Lua. Estou começando a acreditar nessa história só porque ela é tão bonita e misteriosa quanto esse lugar que esconde segredos embaixo de cada pedrinha e bem no fundo desse lago imenso.
Que belas histórias tenho ouvido... Juan as conta com tanto orgulho. Ele deve ter seus 50 anos e nunca morou em outro lugar. Nasceu ali, como o sol e a lua, mas a diferença é que ele jamais foi embora.
Subi na rocha e me sentei. De lá podia ver algumas ovelhas com seus filhotes. Tirei o sapato e pisei com a sola dos pés. Juan disse que a rocha era sagrada e eu sentiria se tocasse as mãos. Acho que era. Com os pés na pedra me senti rocha, céu, ovelha, água, Keruak, tudo ao mesmo tempo e indivisível. Estava estranhamente feliz.
É realmente sagrado esse lugar, todo feito de uma matéria que não se pode desvendar qual é.
Essa brisa hippie bate com toda força, é muito engraçado.
Clara adoeceu e não está vendo nada isso. Eu fico boa, ela adoece...
Lago do Titicaca, 3 de junho de 2008
Quero voltar um dia. Indo para Copacabana na mesma balsa em que vim para a ilha, vejo uma mulher que tenta interagir com duas cholas que estão no barco. Ela fala e pergunta coisas ao mesmo tempo em que fotografa tudo de uma maneira tão histérica que me faz trocar olhares e risos discretos com uma das cholas. Nós observamos a mulher e achamos graça, somos cúmplices.
Clara dorme novamente. Penso na minha chegada em Buenos Aires.