segunda-feira, 14 de setembro de 2009

CASA-DE-COISAS



Sou casa de coisas. Por dentro dos ossos dos braços, mãos e pernas, possuo placas tectônicas, que quando se esbarram causam pequenos ou grandes tremores. Após o choque, podem se precipitar os pequenos vulcões que habitam minha pele dentro, e que, após a agitação intensa das placas, entram em erupção na superfície dessa pele branca com algum vestígio de sol. Nos olhos tenho chafariz. Dentro do peito formou-se um moinho rústico de madeira. Em determinadas épocas brota pro lado de fora do peito uma espécie de manivela rotatória do moinho, que convida coisas do lado de fora a moverem-no. Pessoas, aviões, filmes, álcool, barata, espelho, música, televisão, pessoas, morte, filmes, televisão, altura, pessoas, filmes e livros. Todos mãos que giram a manivela fora que gira o moinho dentro. O movimento das hastes abre a carne e moe o coração.

Dentro da cabeça construí a casa onde moro - ou seria a casa que mora em mim? As vezes passo dias a fio trancada dentro dela e não abro nem as janelas. Principalmente quando estou em reunião com outros de mim que também moram lá. No meio das minhas pernas tem também uma casinha onde posso receber visitas que não eus. Algumas dessas visitas podem se tornar mais freqüentes. Uma delas além de se tornar tão frequente pode me fazer tão feliz, e pode sentir-se tão em casa, que um dia acaba deixando alguém que saiu de dentro dele morando em mim. Ou me faz tão triste que bagunça minha casa e bota pra funcionar as placas tectônicas, os vulcões, o chafariz dos olhos e o moinho do peito, todos ao mesmo tempo.

Casa de coisas esperando que caiba tudo. Querendo que o corpo abrigue além de mim. Tenho esses botões. Algum faz chover e eu fico de baixo olhando sem guarda-chuvas. Sou viciado em me molhar no tempo. Minha pele se alenta com a chuva. Chuviscaindo em mim. Molhandomente meu rosto. Caindormindo água na bocadência da língua.